domingo, 30 de dezembro de 2012

Quem é vivo (quase) sempre aparece

Hora de espanar a poeira, dar uma varrida no chão, abrir as cortinas e tirar as teias dos cantos da parede.  Da última vez em que escrevi neste blog eu ainda tinha 23 anos, era solteira e Oscar Niemeyer estava vivo.

Pois é. Muitas coisas mudaram nestes quase cinco meses de ausência. A primeira - e mais óbvia - é que completei 24 anos de vida. A segunda é que me casei. A terceira, mas não menos importante, é que estou de mudança e não sabemos para onde.

Como já comentei neste blog (já, mesmo? não sei... são tantos blogs que me confundo...), tenho no fundo um espírito meio cigano que não me deixa ficar quieta em um lugar só. O "para sempre" me assusta e me dá vontade de mudar. Tenho medo da rotina.

Aí vocês me perguntam "Mas se você é assim, como é que foi se casar?". A isto eu me reservo o direito de dar uma risadinha tímida e dizer o clichê do "Estava escrito". Ou algum outro do tipo.

Mais novidades: em março ou abril, viajaremos - John e eu - para a China e, mais uma vez, para a África do Sul. A China é para que ele possa me apresentar para o resto da família - tios, tias, primos, avós. Já a África do Sul é para que ele possa visitar os pais, oras. Prevejo Diário de Bordo. Ou não, já que a internet na China é um bocado limitada.

Minha intenção é voltar em breve. Talvez fale um pouco sobre o casamento e a vida de casada, mas não prometo. Cansei de prometer o que acabo não cumprindo. Este foi, portanto, apenas um post para lembrar que estou, sim, viva e que o blog não está encerrado.


sábado, 4 de agosto de 2012

Um Dia de Gato

Foi num dia desses que acordei transformada em gato. Confesso que demorei, envolta ainda no meu próprio sono, a me perceber com quatro patas. Apenas quando estiquei aquelas que costumavam ser minhas mãos foi que notei algo estranho. Todo aquele pêlo marrom cobrindo meus braços… Aquilo não era normal.

Fechei os olhos novamente e esfreguei preguiçosamente os olhos. Já chega de sonhar, eu disse para mim mesma enquanto bocejava, é hora de acordar. Afastei os cobertores e me pus em pé ao lado da cama. Quando minhas antigas mãos tocaram o chão de forma natural, finalmente percebi que não estava sonhando.

Estranhamente calma, caminhei sobre minhas quatro patas almofadadas até o espelho do meu quarto. Um grande gato siamês de olhos azuis olhou de volta para mim. Senti um arrepio percorrer toda a minha nuca e descer por minhas patas enquanto um leve rugido saía da minha boca antes que eu conseguisse entender que aquele outro gato era na verdade eu mesma.

Um gato bastante bonito, devo admitir. Charmoso, elegante… Um verdadeiro membro da realeza. Olhei para baixo, para minhas novas patas, a fim de examiná-las. Garras afiadíssimas se escondiam em meus dedos, e tive a repentina sensação de ser uma máquina mortífera ambulante. Olhando novamente para o espelho, observei o resto do meu corpo. Uma espessa e ágil cauda erguia-se acima do meu corpo. Testei seus movimentos e me peguei pensando como poderia ter vivido tantos anos sem uma cauda.

De repente, um zunido. Minhas orelhas se movimentavam sem que eu tivesse realmente controle sobre elas, virando-se como radares em busca de um sinal. Então eu a vi. Uma mosca. A mais gorda, monstruosa, nojenta e apetitosa mosca que já havia visto. Imediatamente, pus-me de guarda. Abaixei-me sobre minhas patas, com minha cauda tremendo nervosamente de um lado para o outro. Ouvi barulhos estranhos escapando da minha boca, mas não dei muita atenção. Meus olhos atentos acompanhavam cada movimento de minha presa. Alheia às minhas intenções, a mosca voou ao redor de minha cabeça e se preparou para aquele que seria o último pouso de sua breve vida. Antes que eu pudesse muito bem saber o que havia acontecido, minhas patas se fecharam sobre suas asas e no instante seguinte ela descia pela minha garganta.

Eu havia comido uma mosca. Esse pensamento se apoderou de minha cabeça. Eu comera uma mosca nojenta, e sabe-se lá onde ela havia estado antes de parar no meu estômago. Por alguns momentos pensei que fosse vomitar. Mas uma vontade súbita de ir ao banheiro se apoderou de minha mente, e de repente eu tinha assuntos mais importantes para tratar.

Como hábito, me dirigi ao banheiro. Após analisar, percebi que não conseguiria utilizar o vaso sanitário. Como é que gatos vão ao banheiro, mesmo? Ah, sim, pensei, é claro. Bamboleando graciosamente em minhas quatro patas, me dirigi ao quintal.

Usar o banheiro ao ar livre e sem medo de ser vista pelos vizinhos foi uma sensação libertadora. Mas enterrar aquilo que eu havia acabado de fazer, mesmo que os instintos de gato pulsando nas minhas veias tenham se encarregado disso, foi oficialmente estranho.

Senti então meu estômago reclamar de fome. Embora ainda pudesse sentir a mosca sendo digerida, ela não era nem de perto suficiente para me saciar. Voltei para dentro de casa, rumo à cozinha.

Claro que eu sabia que não conseguiria cozinhar, estando naquela forma. Tentei abrir a porta da geladeira, mas só então entendi o valor dos tais famosos polegares opositores. Um pouco frustrada, sentei no chão da cozinha e passei a lamber meu pêlo.

Levei alguns segundos para perceber que eu estava, de fato, lambendo meu próprio corpo. Interrompi meu "banho" por alguns instantes, sentindo minha língua áspera cheia de pêlos. Pela primeira vez naquele dia, parei para me perguntar como diabos eu havia acordado naquela forma e como faria para voltar ao normal. Antes que pudesse encontrar a solução, meu olfato detectou um aroma peculiar vindo de cima do balcão.

Olhando para cima, não acreditei que seria capaz de pular aquela altura. O balcão era no mínimo quatro vezes mais alto do que eu. Imaginar que eu pudesse ser capaz de ir parar lá em cima com apenas um pulo era como me imaginar em minha forma original pulando para o telhado de uma casa.

Meu corpo felino, no entanto, parecia pensar diferente. Minhas patas traseiras se arquearam, enquanto minha cauda voltava a balançar. Sem saber exatamente o porquê, dei uma reboladinha. No momento seguinte, eu estava sobre o balcão.

Restos de uma deliciosa galinha que eu havia comido na noite anterior estavam sobre um prato. Sem pensar duas vezes, me pus a devorá-la. Aquela galinha estava ainda mais deliciosa do que eu me lembrava, mas minha pequena boca de gato me obrigou a comê-la devagar.

Enfim saciada, pulei de volta ao chão. Havia sido um dia cheio, pensei, e eu precisava tirar um cochilo. Procurando pela casa, enfim encontrei o lugar perfeito: o sol entrava pela janela e batia no canto da sala, bem debaixo de uma samambaia que ficava pendurada na parede. Desabei meu corpo ali, voltando a lamber meu próprio pêlo. Quando enfim me senti limpa, caí no sono.

Acordei não sei quantas horas depois, quando já não batia sol no canto onde eu estava. Ao abrir os olhos preguiçosamente, me deparei com um rosto olhando para o meu. De um susto, me levantei, batendo minha cabeça no vaso da samambaia. Aquele rosto humano começou a rir. Olhei para minhas quatro patas, mas elas já não eram peludas. Dedos, unhas, polegares opositores… Estava tudo ali. Voltei a olhar para aquele rosto familiar e finalmente o reconheci.

- Não tinha lugar melhor para você cochilar, não? - disse meu marido. Respondi com um sorriso. Não, não tinha.

quinta-feira, 19 de julho de 2012

O Gosto das Cores

Este post não é continuação do anterior. Nele não há Marcelas, nem tintas, nem pessoas que lambem tintas. Este post tampouco é um conto de ficção. Este é um post sobre como eu descobri que sou sinestésica.
si-nes-te-si-a
sf (sin+estesia) Med 1 Sensação secundária que acompanha uma percepção. 2 Sensação em um lugar, devida a um estímulo em outro. 3 Condição em que a impressão de um sentido é percebida como sensação de outro.
Sim, eu "sofro" de sinestesia. "Sofrer" entre aspas porque pesquisei muito desde que percebi que algo era diferente na forma como eu recebia estímulos através dos meus cinco sentidos, e nunca encontrei um único caso de um sinestésico que tivesse algum problema ou dificuldade devido a esta "sopa" sensorial.

Esse quadro é tão saboroso, não acham?
Há vários tipos de sinestesia. Na verdade, ela se apresenta de forma completamente diferente para cada pessoa. Há aqueles que vêem cores ou formas geométricas ao ouvirem certos sons ou músicas. Há aqueles para quem cada número ou letra possui uma cor ou som único. Existe gente que pode sentir cheiros ou gostos ao verem ou ouvirem determinadas imagens, cores, músicas.


Para quem nunca teve uma experiência sinestésica, é difícil explicar como eu pude demorar tanto tempo para perceber que era uma dessas pessoas. Mas a verdade é que na maioria dos casos essa mistura de sentidos ocorre de forma tão natural e desde tão cedo que muitas pessoas nem sequer param para pensar que algo nelas é diferente. E foi assim que aconteceu comigo.

Minha primeira experiência sinestésica deve ter ocorrido quando eu era muito nova. Como - repito - demorei para perceber que algo era diferente, não tenho uma memória exata de como funcionavam meus sentidos quando eu era criança. 

Foi apenas há mais ou menos uns 2 anos que finalmente me dei conta de ter algo "estranho" nos meus sentidos. Foi num dia em que me perdi no Youtube vendo vídeos de programas de quando eu era criança. Mais precisamente, foi quando vi este vídeo:


Este é o desenho Bojan, que passava no Glub Glub, na TV Cultura, quando eu era bem pequena. E quando o revi, fui invadida por sensações que há muito tempo não experimentava. No início não sabia muito bem o que era, e tive que rever o vídeo várias e várias vezes até identificá-las. O que eu estava sentindo era o gosto das cores.

Diferente dos sinestésicos mais "famosos", minhas experiências não são assim tão claras. Sinto o gosto das cores, mas não de uma forma tão concreta como alguns sinestésicos relatam. É como uma lembrança de um gosto, um gosto que eu sinto mas sei que não está na minha boca. Mais ou menos quando a gente lembra do gosto da macarronada de domingo que só a vovó sabe fazer, sabem?

Também diferente dos sinestésicos "famosos", os gostos que eu sinto não são tão bem definidos e não necessariamente se repetem com a mesma cor. Também não é em todos os momentos que os sinto. 

Além de gostos, já experimentei outras formas de sinestesia, embora estas ainda mais esparsas e difusas do que a minha sinestesia original. Já vi cores ao tatear meu quarto no escuro ou o interior da minha bolsa à procura de algum objeto perdido. Já senti cheiros que não estavam lá ao recordar de algum lugar ou momento da minha vida.

Azul tem um gosto muito bom.
A mais estranha - ou assustadora, ou maluca, escolha o adjetivo ao seu gosto - experiência sinestésica eu tive poucas noites atrás. Estava me preparando para dormir com o namorado. Tenho mania - talvez fale sobre isso qualquer dia desses - de esfregar meus dedos nos dedos dele antes de dormir. Luz apagada, fechei os olhos e peguei na mão dele. No mesmo momento fui inundada por todas as sensações possíveis. Pude ver no escuro a cor azul. Como se a mão dele e tudo o mais ao redor estivesse banhado por uma luz ou envolto em papel celofane azul. Lembrando: tudo estava escuro. Senti também o gosto daquela cor azul que eu via ao redor, de olhos fechados. E, bem levemente, fui capaz de sentir o cheiro azul que pintava tudo na minha mente.

Ainda não se sabe exatamente o que faz com que algumas pessoas sejam sinestésicas. Alguns cientistas acreditam que tenha origem genética. Outros dizem que é um defeito no cérebro que faz as áreas dos sentidos se misturarem. O que sei é que, defeito ou não, ser sinestésica faz com que eu me sinta quase uma Alice perdida no País das Maravilhas.

'But I don't want to go among mad people,' said Alice. 'Oh, you can't help that,' said the cat. 'We're all mad here.' (Lewis Carroll)

quarta-feira, 11 de julho de 2012

O Gosto do Azul

Marcela era uma menina comum. Gostava de brincar de pega-pega na rua com os amigos. Com suas bonecas, criava histórias fantásticas de monstros espaciais e aventuras submarinas. Brincava de casinha, também, quando lhe apetecia. Comia arroz, feijão, carne moída e batata frita como se fosse a melhor iguaria do mundo. Sujava os joelhos das calças e levava bronca dos pais quando fazia algo errado.

Mas quando Marcela tinha seis anos, começou a desconfiar que algo em si mesma era incomum. Foi numa aula de Artes na escola. Muitos anos depois, Marcela ainda poderia se lembrar das risadas das outras crianças quando alguém - não se lembraria quem - gritou: "A Marcela lambe as tintas!".

E foi assim que nasceu Marcela-Lambe-Tintas. No início a alcunha a incomodava; por vezes voltava para casa aos prantos. Com o tempo, porém, Marcela-Lambe-Tintas passou a aceitar o apelido, e até gostar dele. O fato é que bem tentara parar com o hábito, mas a tentação era grande demais. Quando um dia lhe perguntaram por que é que cultivava esta mania, respondeu simplesmente: "Porque gosto do sabor das cores". "Do sabor das tintas", a corrigiram. "Não", respondeu, "do sabor das cores".

O sabor do azul é o que Marcela-Lambe-Tintas mais gostava. Diferente do ácido amarelo ou do exageradamente doce cor-de-rosa, o azul tinha um gosto suave mas intenso que muito lhe agradava.

Um dia resolveram dizer a Marcela-Lambe-Tintas que ela já não podia mais continuar com o hábito que tanto gostava. "É uma moça agora", disseram, "não fica bem uma moça lamber tintas". 

Com muito esforço, Marcela-Lambe-Tintas parou de lamber tintas. As aulas de artes passaram a ser um martírio. Marcela - agora sem a alcunha - deixou de ser uma menina sorridente. A força que era obrigada a fazer para não cair em tentação a deixava exausta e Marcela não sentia mais prazer em muitas coisas na vida.

Talvez por isto o incidente que se seguiu deveria ter sido anunciado. Quando, já no colegial, a escola organizou uma excursão a um famoso museu de arte da cidade, Marcela sentiu o sinal de alerta dentro de si acender. Tentou argumentar com a professora, dizendo que não poderia participar do evento. "Bobagem", disse a professora, "Esta excursão é obrigatória para todos os alunos e valerá nota para o fim do semestre". 

Ao se ver cercada daquelas obras, tantas tintas de tantas cores diferentes, Marcela não resistiu. Quando foi encontrada pelos seguranças do museu lambendo um quadro de Monet, seus pais finalmente foram aconselhados a procurar um psicólogo. Marcela, é claro, nunca mais pôde pôr os pés em um museu.

Após uma série de psicólogos que tentaram - sem sucesso - curar o hábito de Marcela, seus pais decidiram levá-la a uma psicóloga que tinha a má-fama de usar métodos "alternativos" no tratamento de seus pacientes e que sugeriu a Marcela que ela comprasse telas e tintas e passasse, ela mesma, a pintar.

"Esta mulher está louca", disseram. Porém, ao verem Marcela se tornar cada dia mais calada e triste, enfim seus pais resolveram aceitar. Separaram um cômodo na casa para que ela pudesse se dedicar à atividade. Quando Marcela foi levada pela primeira vez a seu novo quarto, um novo brilho acendeu em seus olhos e lá ela ficou trancada por três dias e duas noites. Ao fim do terceiro dia, seus pais aflitos abriram a porta. Lá estava Marcela-Lambe-Tintas, com cores espalhadas dos pés à cabeça e um enorme sorriso no rosto. Ao seu lado, o primeiro de uma série de quadros que Marcela viria a pintar. E em sua língua, nem mesmo uma única mancha de tinta.

segunda-feira, 18 de junho de 2012

A Menina e a Estrela

(O texto abaixo foi originalmente escrito em homenagem à minha avó, Maria Ignez Ribeiro, em meu antigo blog. Agora o "empresto" a um amigo que deixou o mundo mais vazio não numa manhã, mas sim em uma noite de domingo.)



O mundo ficou mais vazio naquela manhã de domingo. Uma estrela pulsante de brilho e calor se apagava. Do outro lado do mundo a garota dormia tranqüila em uma madrugada de segunda.
A estrela se apagou sem aviso nos jornais. Nenhum astrônomo poderia haver prevido, nenhum fenômeno celeste anunciava sua despedida. E, todas as estrelas ofuscadas pela luz do sol, a garota não pôde notar a ausência daquela estrela. Foi somente quando a noite se fez presente e as estrelas brilharam no céu escuro que ela notou. Aquela estrela, uma das mais brilhantes, havia se apagado.
As noites se tornaram mais escuras, uma após a outra. Nem mesmo os dias eram mais tão claros quanto costumavam ser. A ausência daquela estrela se fizera tão repentina que seus olhos não haviam tido tempo de se acostumar com a escuridão. E as noites eram frias, e mesmo o sol parecia sentir a falta da estrela que iluminava a noite.
No outro lado do mundo, a garota se sentia triste. Sentada no topo de uma montanha, observando o céu, agarrando-se na vã esperança de encontrar a estrela ainda ali, saindo de seu esconderijo e rindo, brincando de esconde.
Foi quando o sabiá pousou em seu ombro. A garota tentou espantá-lo, não queria ninguém a observá-la em sua tristeza. Mas ali ele permaneceu, como ela a olhar para o céu.
Uma lágrima então rolou de sua face. E outra a seguiu. E mais uma. E tantas lágrimas a seguiram que em pouco tempo o chão ao seu redor tornara-se um imenso espelho d’água. Solenemente, o sabiá desceu de seu ombro direito para o chão.
Ela sentiu seu coração se aquecer. Com um sorriso estancando as lágrimas, a garota encontrou o que procurava. Ali, no exato ponto em que o sabiá pousava, a estrela pulsava um brilho mais forte do que nunca.

domingo, 20 de maio de 2012

42

Artur Dente acordou naquela manhã com uma dorzinha chata do lado esquerdo da cabeça. Depois de rolar de um lado para o outro da cama por um bom tempo, decidiu parar de fingir para si mesmo que ainda estava dormindo e se levantar. Jogou as pernas para fora da cama, na esperança de que elas fossem sozinhas resolver os problemas daquele dia e deixá-lo hibernar. Ao enfim convencer-se de que não teria sucesso, enfiou os pés nos chinelos felpudos, vestiu a primeira peça de roupa que encontrou pela frente - um roupão verde-musgo jogado sobre a cadeira ao lado da cama - e se arrastou para o banheiro.

Ao se olhar no espelho, confirmou suas suspeitas: estava um bagaço. O cabelo levemente arruivado parecia haver pensado ser uma boa idéia dar uma festa durante a noite e convidar todos os fios para dançarem na mesma pista de música eletrônica. Lavando o rosto, Artur Dente desconfiou que sua baba também tivesse sido convidada para a festa.

Após considerar a hipótese de tomar um banho, Artur Dente lembrou-se de que era domingo e, como é sabido em todas as galáxias conhecidas, domingo é o dia oficial em que nada acontece e, portanto, não havia razão alguma para tomar um banho. Enxugou o rosto na toalha mais próxima e saiu do banheiro.

A dorzinha chata do lado esquerdo da cabeça continuava. Era a última vez, pensou, que sairia com aquele ator maluco que só o arrastava para lugares cheios de bebidas com alto ou altíssimo teor alcoólico. Seu organismo não fora criado para aquilo, pensava. Tudo o que Artur Dente mais queria naquele momento era uma boa xícara de chá.

Remexendo a terceira gaveta debaixo da pia da cozinha em busca de uma aspirina, um remédio para ressaca ou um vidro de veneno de rato - o que encontrasse primeiro -, Artur Dente pôs a água do chá para ferver.

De dentro do quarto veio uma voz estridente e manhosa. Sem conseguir encontrar a maldita aspirina, Artur Dente praguejou enquanto fechava a gaveta e abria a geladeira. Apenas um pote velho de manteiga, uma caixa de leite e uma bandeja quase inteira de iogurte passado da validade que Artur Dente comprara em um daqueles momentos em que decidia mudar de vida e começar a ter hábitos saudáveis. Pegou a caixa de leite e fechou a geladeira.

"Aqui, Marvin. Seu café da manhã.", disse Artur Dente. De dentro do quarto veio novamente a voz estridente e manhosa. Em poucos segundos, Marvin, o gato, saía do quarto e cheirava seu pote cheio de leite, pensando há quantos dias aquela caixa estaria aberta. 

A chaleira apitou no fogão, avisando que a água fervera. Artur Dente colocou um daqueles saquinhos dentro de uma xícara e serviu a água quente em cima. Agora só precisaria esperar alguns minutos enquanto fazia de conta que lia o jornal roubado do gramado do vizinho no dia anterior.

Antes que o chá pudesse ficar pronto, no entanto, a Terra foi destruída pelos Vogons para a construção de uma via espacial e Artur Dente não teve tempo de provar um dos 42 deliciosos sabores de chá que sua tia havia trazido de sua última viagem para a Inglaterra.

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Interrompendo a Programação

Certo, certo. Vamos encarar os fatos: eu demorei demais para postar, as histórias da viagem esfriaram e mais da metade dos meus leitores partiram para outras bandas. Para quê continuar fazendo de conta, então, que eu vou seguir religiosamente a programação do Diário de Bordo?

Não que eu não vá falar mais nada sobre a viagem. Ainda tenho partes de posts prontos que pretendo colocar no ar. Mas quero me libertar - eu, você e este promissorzinho blog - da obrigação de só voltar a escrever sobre o que me der na telha quando terminar os relatos da viagem.

Há muito a ser falado. Há contos a serem escritos. Histórias reais e outras nem tanto assim a ser postadas. E - por que não? - ainda há mais relatos da viagem a serem contados. Estou apenas, com este post, me liberando para escrever sobre o que eu quiser.

Minhas mais recentes aquisições.
Sem promessas de posts diários, semanais ou até mensais. Tentarei manter uma certa freqüência, mas ela será determinada exclusivamente pela minha vontade. Este blog, tal como os pincéis, as tintas e as telas em branco que comprei no último fim de semana, é algo que faço por prazer e não por obrigação. Sempre tive problemas com fazer coisas por obrigação. Nem ler os livros obrigatórios para a escola eu - que adoro ler - lia, pelo simples fato de serem obrigatórios. Não que eu tenha problemas com autoridade. Apenas não me agrada transformar prazer em dever.

E aos meus leitores que ainda estiverem passando por aqui e sentirem falta de atualizações, recomendo o blog da Karol, Manskaoosin. Aproveitem porque ela está postando como se não houvesse amanhã nestes últimos dias.

Continuem ligados. Para receber notícias sobre atualizações, curtam minha página no Facebook. Assim que houver posts novos, avisarei por lá.

sexta-feira, 16 de março de 2012

Dias 10 e 11: Preparativos Para a Road Trip

Cheguei a comentar em algum momento sobre a Road Trip? Acho que não. De qualquer forma, a Road Trip foi planejada muito antes de chegarmos à África do Sul. Pai e mãe sendo guias de turismo, é claro que não iam perder a chance de levar a nova filha para passear.

O Sul da África do Sul
A viagem foi programada para o Ano Novo. Desceríamos pela costa, passando pelo Cabo da Boa Esperança, o Cabo das Agulhas – extremo sul do continente africano – e indo até uma cidadezinha banhada pelo Oceano Índico, chamada Wilderness. Tudo isso em três dias – saindo no dia 31 e voltando no dia 2.

Os dias anteriores à viagem foram dedicados às preparações. Idas ao mercado em busca de supplies, comprar mais protetor solar (porque o meu, a esta altura, tinha acabado feito água no deserto), porcarias para serem comidas durante a viagem, etc.

Pai e mãe trabalharam direto durante estes dias, portanto os encarregados dos preparativos fomos John, eu e nosso Toddynho, Max. Éramos também encarregados pela nossa própria alimentação.

Foi numa dessas em que Max sugeriu um restaurante italiano para irmos. Eu, vira-lata européia que sou, tenho aquele pezinho na Itália e não resisto a uma boa massa, então concordei na hora. Fomos almoçar no restaurante.

Ficava no segundo andar de uma loja de materiais esportivos. De frente para o mar. Com janelas panorâmicas enormes, que nos permitiram assistir de perto às pessoas praticando surf com pipas. É, com pipas. Como ninguém me avisou que o restaurante ficava em um lugar lindo, não levei minha câmera.

A comida era maravilhosa, do tipo que é difícil de encontrar até mesmo no Brasil. O melhor de tudo foi o pãozinho que serviam. Mesmo agora, mais de dois meses depois, ainda me lembro do sabor daquele pãozinho.

À noite fomos escondidos ao cassino (o pai do John tinha proibido, lembram?). Afinal de contas, não é todo dia que a gente tem a oportunidade de se divertir em um cassino, né? Acabamos perdendo mais dinheiro do que ganhamos e voltamos para casa frustrados (bom, EU voltei para casa frustrada... John se diverte mesmo é jogando, e tinha reservado um limite máximo para poder jogar).

No dia seguinte fiz John me levar à praia. Queria ter aquela sensação de estar em uma cidade litorânea, pisar na areia, molhar os pés no mar, tomar uns drinks num quiosque...

Desta vez Max, o Toddynho, preferiu ficar em casa. Fomos só John e eu a procurar um quiosque onde eu pudesse tomar meus sonhados drinks.

Pés sujos de areia e molhados do mar, não havia quiosques à vista. Apenas uma meia-dúzia de bares um pouco mais afastados, mas ainda na praia. John me mandou escolher e eu fui direto num que tinha decoração e músicas típicas africanas. Afinal de contas, eu estava na África.

John embasbacado com a beleza da praia.
Os garçons do bar/restaurante se vestiam com aquelas roupas típicas, rostos pintados e tudo. Algumas das mesas ficavam sobre uma piscina, para que a gente se sentasse com os pés na água. Como estavam todas lotadas, é claro, acabamos sentando em mesas “normais”, nas quais havia cobertores peludos.

Peraí. Cobertores peludos? Na praia? Em plena África? Exato.
Acontece que em Cape Town há muito vento, de velocidade e frio impressionantes. Para se proteger deste vento, portanto, vários restaurantes oferecem cobertores aos clientes. No fim acabamos não usando nenhum, porque o vento não estava assim tão frio.

Pedimos nossos drinks e alguns aperitivos de frutos do mar (que eu descobri que no fundo, no fundo, gosto - só continuo não gostando de camarão). Ficamos algum tempo ali, apenas curtindo a vista e os drinks.

Chegando em casa, pai nos empurrou para a cama cedo. Às nove da noite já estávamos deitadinhos, prontos para dormir. A Road Trip começaria cedo no dia seguinte.


(Novamente peço desculpas aos meus leitores - se ainda houver sobrado algum. Acabei tendo crises de inspiração e alguns problemas pessoais, além de não ter muito tempo livre. Mas estou melhor e se tudo der certo, agora vai. Já tenho alguns posts além deste escritos, então posso garantir que não vai levar tanto tempo para o próximo vir ao ar. Quero terminar logo o Diário de Bordo para poder voltar aos assuntos aleatórios de antes. Aos que ainda me lêem, fiquem ligados!)

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Dias 8 e 9: O Sapo Africano e A Pior Pipoca do Mundo

O oitavo dia começou preguiçoso. Mãe e pai levando grupos de turistas para passear, acordamos tarde. Enrola daqui, enrola dali, pensando no que faríamos naquele dia. Table Mountain (o principal cartão-postal da Cidade do Cabo) estava fora de cogitação porque entre Natal e Ano Novo as filas para subir com o bondinho estariam quilométricas.

Saímos então – John, eu e nosso companheiro de aventuras – para passear no Jardim Botânico (o daqui se chama Kirstenbosch Botanical Gardens). O caminho até lá passava pelo Morumbi (ou seja, a região das mansões) e por uma vista linda e privilegiada do lado de trás da Table Mountain, que a fazia parecer uma daquelas montanhas de filmes do King Kong.

Devo confessar agora que não sou uma grande conhecedora de botânica. No colegial foi a parte de Biologia em que me dei mais mal e nunca entendi muito bem essa coisa toda de briófitas, pteridófitas e angiospermas. Acho árvores e flores lindas como um todo e formando ou enfeitando um cenário, mas não me peça para parar de planta em planta e ficar lendo as plaquinhas com informações.

Kirstenbosch é um lugar lindo. Uma delícia, dava vontade de sentar na grama e ficar ali, ao pé da Table Mountain, apenas admirando a paisagem – o que de fato fizemos. Enquanto estávamos sentados debaixo de uma daquelas árvores típicas da África, um grupo de pessoas a uns cem metros de distância pára para observar algo se mexendo no chão.

Até aí tudo bem. Nem havia parado para prestar atenção. Mas então meu querido cunhadinho Max resolve dizer: “Hum... Acho que é um sapo”.

Eca! Eca! Eca! Irc!
Sapo. Hum. Acho que nunca comentei isso por aqui antes, e talvez agora seja um bom momento: Tenho medo de sapos. Medo, não; pavor. Não ligo para pererequinhas frias e grudentas – embora as prefira à distância –, mas a simples visão (mesmo em foto) de um sapo grande, verde e gosmento me arrepia os pêlos das costas e me paralisam. Já vi que vou sofrer quando for procurar foto para ilustrar esta parte do post.

“Hum... Acho que é um sapo”. Com estas palavras, Max fez eu me levantar de um pulo e voar para o colo do John. Aos poucos, no entanto, a área racional e curiosa do meu cérebro passou a tentar me convencer. “É um sapo africano, Tati... Você vai mesmo deixar de tirar foto dele?”. Não ligo muito para plantas, mas animais são a minha área, mesmo quando me deixam de cabelos em pé.

Ufa!
Armada com minha câmera fotográfica e munida de uma repentina onda de coragem, me aproximei da criatura. Cautelosamente, afinal de contas eu não queria sapo monstro africano nenhum me atacando. Mas ao chegar a uma distância que permitia a meus olhos míopes enxergarem, pude ver – com alívio – que não era um sapo, mas sim um caranguejo. E caranguejos eu gosto, principalmente com um bom molho em cima do meu prato.

John e Max não entendiam o que um caranguejo estaria fazendo ali, a uns bons muitos quilômetros da praia mais próxima e ao pé da montanha. Continuando nosso passeio pelo Jardim, logo descobrimos: eram comida de lontra. Não que eu tenha visto alguma, mas a placa num laguinho bem próximo dizia que elas viviam ali e se alimentavam de caranguejos (bom, pelo menos elas têm bom gosto...).

Já o dia 9 se passou como um dia comum. Sem poder ir à Table Mountain ou a outros pontos turísticos que estariam lotadíssimos até após o Ano Novo, passamos de turistas a moradores (bom, John já foi morador, mesmo...). Dia como qualquer outro em qualquer cidade onde você more. Casa, shopping, cinema.

Sim, cinema. Lembram-se de que no dia de Natal nós havíamos tentado ir ao cinema, sem sucesso? Pois é. No nono dia da minha estadia em Cape Town finalmente conseguimos. Apenas eu e John, porque Max estava em um dia de saco cheio e não quis vir com a gente. Assistimos Tintin, que me lembrou da minha infância e quando eu lia os livros do Hergé. Deu saudades e agora quero muito encontrar livros do Tintin para ler.

Como já dizia Douglas Adams no célebre livro O Guia do Mochileiro das Galáxias, não é nem um pouco interessante para os leitores quando o escritor dá todos os detalhes da vida comum. Por isso não vou dizer aqui o que mais fiz no dia 9. Não vou contar que fui ao banheiro, escovei os dentes, assisti TV, almocei, jantei, comi melancia como lanche da tarde e tirei uma soneca depois do cinema.

A única coisa que talvez seja do interesse de vocês é a pipoca que pedi. Tamanho pequeno, que era do mesmo tamanho das médias que a gente come no Cinemark, porque John não queria. Até aí tudo bem. Então experimento a pipoca, ainda no balcão, e estava faltando sal. Pedi para o atendente e ele me perguntou qual sabor de sal eu queria. Diante da minha cara de interrogação gigante, ele recitou uma lista dos tais sabores de sal disponíveis a uma velocidade e sotaque tão impressionantes que olhei para o John com cara de “Me ajuda, pelo amor de Deus”. John respondeu. “Sour cream and onion” (equivalente ao nosso “cebola e salsa”).

Com um estranho pacotinho e a pipoca na mão, nos encaminhamos para a sala de cinema. Na ingênua crença de que o conteúdo do pacotinho se tratava de sal com algum tipo de aromatizante de cebola e salsa, despejei tudo em cima da pipoca. Quem disse que eu consegui comer? Acontece que o tal “sal com sabor” era na verdade algo muito parecido com tempero de miojo. Já tentaram comer pipoca com tempero de miojo cru? Resultado: um pacote pequeno com tamanho de médio brasileiro cheio de pipoca foi parar na lata de lixo e eu fiquei com a língua cheia de pó (mesmo depois de bochechar com Coca-Cola).


Obs.: Como muitos já devem ter notado, no presente momento eu já estou de volta ao Brasil. Meus relatos se atrasaram devido a dias movimentados na minha última semana pela Cidade do Cabo. Mesmo já tendo voltado, os relatos continuam. Condensarei mais alguns “dias comuns” em um mesmo post, mas não esquecerei de nenhum. Continuem ligados. 

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Dia 7: Zhu Ni Shenri Kuaile

O dia seguinte ao Natal, dia 26 de dezembro, é – como já antecipei no post anterior – aniversário do pai do John. Acordamos no nosso costumeiro horário e lá estava o pai preparando o almoço. Almoçamos e logo arrumamos uma desculpa para sair e comprar o presente de aniversário dele (que não tínhamos conseguido comprar no Natal, lembram?).

Fomos a uma grande floricultura aqui perto. O pai, nas horas vagas, gosta de cuidar do lindo jardim/horta no quintal e pensamos que um bonsai seria o presente ideal para ele. Ledo engano. Nenhum dos bonsais era bonito o suficiente para a gente ter coragem de pagar o preço das etiquetas.

Saindo da loja, um pouco decepcionados e meio desesperados, vimos uma parte em que havia aquários. No post do meu primeiro dia eu pus uma foto das flores que eles me deram no aeroporto. Se vocês prestarem atenção, vão ver ao lado das flores uma vasilha de vidro. Pois nessa vasilha havia um peixe sem aquário.

Uma luz se acendeu em nossas cabeças. Entramos na loja e escolhemos o melhor aquário para iniciantes e mais uma meia dúzia de peixes (já que o aquário era grande demais para um peixe só). Pagamos e quando chegamos no carro fomos conferir o ticket da compra. O vendedor – muito simpático e prestativo – havia se esquecido de cobrar o aquário (cobrou apenas os peixes).

Como aqui não é Brasil e John e Max não são brasileiros, John voltou para pagar. Max e eu ficamos no carro. Após uma longa demora, John sai da loja com outro aquário idêntico ao que tínhamos acabado de comprar. Ficamos sem entender. John entra no carro e então explica:
“Entrei para pagar e o vendedor ficou surpreso (porque a maioria das pessoas não faria isso). Ele me deu, então, outro aquário para passar o código de barras no caixa. Fui lá, só que na hora em que voltei para devolver o aquário, o gerente da loja estava ao lado do vendedor. Olhei pro vendedor e ele fez uma cara de ‘Pelo amor de Deus, não diz na frente do meu chefe que eu esqueci de cobrar um aquário’. Então peguei o aquário e saí.” 
Voltamos então para casa e demos os dois aquários e os peixes para o pai, enquanto cantávamos parabéns (eu em português e os dois em chinês – como no título deste post). Max se encarregou de montar um dos aquários e o pai ficou todo feliz vendo os peixinhos coloridos nadarem de cá para lá.

Como era um dia especial, ficamos em casa com o pai. Jogando Mahjong. Foi o dia em que eu ganhei. Depois, só perdi.

O jantar de aniversário foi no restaurante da melhor amiga da mãe e minha segunda incursão no mundo dos chineses. Sim, estou hospedada na casa de quatro deles, mas o pai e a mãe não ligam muito para as frescuras tradições e rígidas regras sociais chinesas.

No caminho para o restaurante eu fui sendo ensinada coisas básicas, como falar “olá” e “obrigada”, em chinês. Cumprimentei a “tia” (como é amiga de longa data da mãe, virou “tia” dos filhos) com “Hello”, mesmo, porque ainda não me sentia confortável em dizer “Ni Hao” (especialmente porque se você errar um pouquinho, acaba dizendo “xixi” ao invés de “oi”).

Sentamos em uma mesa redonda com uma base giratória no meio. Chineses não têm esse mesmo costume da gente, de pedir cada um sua própria comida. Todo mundo pede junto e a comida é servida nessa base giratória para que todos possam se servir ou beliscar o quanto quiserem.

E, é claro, com hashi. Não comentei aqui porque acho óbvio, mas chineses comem usando palitinhos. Já sabendo disso, treinei bastante antes de viajar para cá e já cheguei sabendo me virar bem. Mas como não tenho olhos puxados, volta e meia acabo derrubando ou tendo dificuldade para comer alguma coisa.

Aí a “tia” e o irmão dela vieram sentar na mesa conosco. E foi a hora de brindar pela primeira vez.

Uma regra sobre brindes com chineses: Como sinal de respeito, os mais jovens e/ou abaixo na hierarquia social devem sempre brindar com a boca do copo mais baixa do que os outros. Isso às vezes gera situações engraçadas, quando duas pessoas mais ou menos na mesma posição hierárquica vão brindar e ficam abaixando o copo até encostar na mesa.

John já havia me alertado sobre isso ainda no Brasil. No primeiro jantar – aquele com os mafiosos –, confesso que esqueci totalmente, levando uma bronca do John. No primeiro brinde deste segundo jantar também esqueci, mas lembrei logo após o “tlim” dos copos. A partir do segundo brinde – por alguma razão, chineses gostam de brindar várias vezes durante o jantar, seja porque alguém novo chegou, porque abriram uma garrafa nova de vinho ou porque lembraram de algo interessante – eu lembrei e não me esqueci mais. Sorte que, novamente, como não tenho olhos puxados, ninguém espera que eu já saiba todas estas regras.

A comida estava uma delícia. Comi caranguejo – que amo de paixão –, lagosta, carneiro e sushi de salmão. Além de uma sopa estranha que estava um pouco apimentada demais para o meu gosto e salgada demais para o gosto dos chineses – John adorou, porque está acostumado tanto com comida chinesa apimentada quanto com comida salgada do Brasil. O irmão da “tia” até pôs um pouco de chá na sopa para aliviar o sal, o que me fez perguntar se isso era normal – não era.

Quatro garrafas de vinho e muita comida e bolo de aniversário depois, voltamos para casa. Ando descobrindo nestes últimos dias que posso tomar qualquer quantidade de cerveja, mas vinho me deixa absurdamente sonolenta. Não sei como não dormi no caminho de volta, mas ao chegar em casa só tive tempo de dizer boa noite e desmaiar na cama.