sexta-feira, 12 de abril de 2013

A Família, o Metrô e Privada, pra que te quero?


Nosso segundo dia no país da Muralha começou mais uma vez cedo por causa do fuso horário. Nos levantamos às 5 da manhã, mas eu já estava acordada desde as 3, rolando de um lado para o outro da cama enquanto tentava voltar a dormir. 

Café da manhã tomado, Nai Nai acordada, saímos um pouco antes das 8 para visitar Ar Gu, uma das tias do John.

Aqui talvez seja hora de acrescentar uma informação sobre os nomes dos parentes que citarei durante este diário de bordo. Nenhum dos nomes que uso são os nomes de verdade das pessoas, mas sim os tratamentos pelos quais o John as chama. "Nai Nai", por exemplo, significa avó paterna, e "Ar Gu" é a segunda tia (por ordem de nascimento) paterna. Perguntei para o John os nomes reais delas, mas ele não soube ou não quis responder, então usarei estes tratamentos aqui também.

Pegamos então o ônibus com a Nai Nai até a casa da Ar Gu. Ar Gu é divorciada e mora com o filho, a nora e o neto de um pouco mais de um ano. Chegamos, "olá, como vai? prazer, obrigada" e Ar Gu me traz um copo do que John traduz como sendo leite de coco, mas que na verdade era leite de um tipo de noz, e que tem um gosto perdido entre leite desnatado com água e desentupidor de pia. Após me arrepender amargamente de terminar o primeiro copo rápido para que o gosto terminasse logo e vê-lo ser reenchido sem que eu pudesse fazer nada para impedir a tragédia, o telefone toca. Ma (a mãe do John) ligando para avisar que está chegando ao apartamento da Nai Nai.

Toca uma corrida com direito a carona do Ar Ge (lê-se Ar Gã, e é o primo do John) para que Ma não chegue antes da gente e fique fechada para fora, no frio. Tudo dá certo e o almoço chega e se vai sem grandes acontecimentos. Para acertar nosso relógio interno, tiramos um cochilo à tarde, do qual acordamos sofregamente por volta das 5.

Hora então de sair novamente e ir visitar a Da Gu (a primeira tia). Esta é casada, mas, assim como Ar Gu, também mora com o filho, a nora e o neto. Parece ser um costume muito comum por aqui, talvez devido à política de filho único, que os filhos homens continuem a morar com a mãe mesmo depois de adultos, vacinados, casados e com filho. Olá, prazer, como vai, obrigada, chá, presente e tanto a visita quanto nosso segundo dia em Beijing chega ao fim. 

O dia seguinte começa Da Ge (filho da Da Gu, e, assim como Ar Ge, também se lê Da Gã) vindo bem cedo nos buscar para irmos visitar o túmulo do Ye Ye, o avô do John que morreu há uns 3 anos. Embora a situação peça melancolia, não posso evitar de ficar agitada com todas as coisas para ver no caminho entre o apartamento da Nai Nai e o cemitério. Aprendo a ler em chinês os símbolos para "Beijing", e fico parecendo uma criança recém alfabetizada. "Olha lá, John! 'Bei Jing'! Olha, ali de novo!". 

Chegando ao cemitério, fico boquiaberta. O local é nada mais, nada menos, do que uma montanha. Ok, talvez seja mais correto chamar de "morro". Mas, de qualquer forma, os túmulos cheios de flores coloridas se espalham por praticamente toda a extensão da montanha/morro/o que seja. Não consegui tirar muitas fotos porque John disse que os guardas provavelmente viriam reclamar, por ser falta de respeito com os mortos. As poucas fotos que consegui foram quando John e Da Ge não estavam olhando, mas de qualquer forma minha internet limitada não vai me permitir postá-las aqui até chegar na África do Sul.

No caminho até o túmulo do Ye Ye, não posso deixar de notar que vários dos outros túmulos possuem, além das flores, também bebida, comida e dinheiro deixados pelos familiares. Como tenho um tio messiânico a quem me acostumei a ver ofertar comida aos antepassados, este costume não me pareceu estranho, mas acho que jamais deixará de ser um tanto curioso. A crença chinesa diz que os mortos vão para o mundo inferior - que, ao contrário do que o nome pode levar a crer, não é como o inferno católico, mas simplesmente o "outro lado" da vida (apesar de em sua maioria ateus, chineses ainda carregam muitas crenças das religiões antigas) - e que este mundo inferior tem alguns pontos de "conexão" com a terra dos vivos. Um destes pontos de conexão é o cemitério, e isso explica o ritual que se seguiu.

Ao chegar ao túmulo do Ye Ye, John e Da Ge colocam flores e jogam pinga chinesa ao redor da lápide. Então nos ajoelhamos e os dois conversam com o avô (conversa da qual mais uma vez fui deixada de fora, por ser em chinês). John me apresenta e eu fico meio sem saber o que fazer ou dizer, então acabo ficando quieta, mesmo. Voltamos então ao carro, onde Da Ge pega uma sacola onde há pedaços de papel, caixinhas douradas de papelão e o mesmo dinheiro que eu havia visto antes sobre os túmulos - vale abrir um espaço para dizer que nas notas estava escrito "Hellbank Note" e o valor era "6666", tive que me segurar para não rir alto quando vi. Vamos até um grande forno com várias portinhas logo ao lado das lápides, Da Ge escolhe uma das portinhas, pega um pouco dos pedaços de papel da sacola e acende uma fogueira. Aos poucos, queimamos o dinheiro e as caixinhas douradas (que, vim a descobrir, representam ouro). A idéia é bem o que parece: enviar dinheiro e ouro para que o ente querido possa usar no tal mundo inferior.

Voltamos para casa e encontramos Ma pronta para nos levar para sair. Só temos tempo de usar o banheiro e tomar uma água antes de sairmos porta afora para pegar um ônibus até o metrô.

Sim, o metrô de Beijing. Me chamem do que for, mas se tem uma coisa que eu realmente gosto de fazer quando viajo é pegar transporte público no lugar. Acho que só assim me sinto realmente parte dali, sabem? E eu estava particularmente ansiosa para conhecer o metrô de uma cidade tamanho monstro como Beijing.

O mapa das linhas não chega a ser assustador como o de Londres, mas com certeza deixa o de São Paulo no chinelo. A estrutura é simples: um metrô circular no centro da cidade, outro que não chega a fechar o círculo um pouco mais distante, e várias linhas cruzando estes dois primeiros. Outra coisa é que chineses são muito ligados à idéia de Norte e Sul, Leste e Oeste, então as linhas são sempre apontadas para uma destas direções. 

Vamos então até o centro da cidade, onde Ma precisa ir ao banco resolver um problema que se revelou uma verdadeira novela com uma conta antiga do John. A agência fica bem na área das Embaixadas, então me divirto tentando descobrir de qual país cada Embaixada é. Na volta, passamos no apartamento deles, que está vazio desde que o último inquilino saiu, há cerca de um mês. John tem um longo momento de nostalgia, me mostrando o local onde ele caiu de cabeça no aquecedor quando tinha 5 anos de idade e a janela de onde ele costumava cuspir na cabeça de quem passava.

Paramos para almoçar em um restaurante ali perto e eu tenho meu primeiro susto. É um restaurante relativamente "chique" (apesar de que, segundo o John, restaurantes aqui adoram ser enfeitados e metidos a "chique"), nós entramos, escolhemos uma mesa, nos sentamos e eu me levanto para ir ao banheiro. Ao abrir a porta, no entanto, me deparo com uma daquelas coisas que eu imaginava que só existissem em áreas mais pobres e remotas do mundo: a privada é um buraco no chão. De porcelana, com descarga e tudo, mas com apoio para os pés ao invés de assento. Tenho um minuto de desespero no qual finalmente descubro o limite da minha tolerância e capacidade de me adaptar a diferentes culturas, antes de perceber que na cabine ao lado tinha uma privada de verdade e suspirar aliviada.

Sobre banheiros eu não me alongarei agora. Deixo isso para um post futuro que estou planejando, com um resumo das minhas impressões sobre a China. Sobre comida, caso estejam sentido falta deste aspecto, também não se preocupem: não falarei muito sobre isso nos meus relatos "diários" porque são coisas que merecem um capítulo à parte. Assim como o trânsito e a forma chinesa de dirigir.

Almoço terminado, hora de pegar mais um ônibus até um estúdio fotográfico onde Ma tinha orçado para fazermos algo parecido com um álbum de casamento. Mas como estava muito frio naqueles dias, a Nai Nai não tem secador e a gente estava passando o dia inteiro fora, voltando já na hora de dormir, eu não havia lavado o cabelo desde que cheguei aqui e John precisava cortar as madeixas, então paramos em um salão de beleza próximo ao estúdio.

Ah, o sonho… O paraíso… Para quem não sabe, eu sou do tipo de pessoa que odeia tanto salão de beleza que até aprendi a cortar e pintar meu cabelo sozinha para poder ir o mínimo possível a um. Detesto as revistas de fofoca, a conversa sobre o que está acontecendo na novela, no BBB ou com aquela celebridade que acabou de se separar. Mas, confesso, gosto da idéia de ter um profissional que sabe o que faz mexendo no meu cabelo, só para variar. Portanto conseguem imaginar qual não foi minha felicidade ao entrar em um salão de beleza em que eu não entendia uma palavra sequer do que era dito ao meu redor? Fiquei lá, feliz da vida, quietinha no meu canto sem ser tomada como metida ou fresca por não conversar, só curtindo o vento do secador no cabelo.

Ainda sobre cabeleireiros, eu tenho uma vantagem sobre a maior parte das pessoas nesses lugares: tiro meus óculos e consigo ficar completamente alheia ao que se passa ao meu redor. No caso de salão de beleza no centro de Beijing, isso significou ignorar todos os olhares curiosos, agitados e levemente perplexos daqueles vários pares de olhinhos puxados e cabelos pretos em volta. Apenas quando terminei e pus os óculos novamente é que eu fui reparar que absolutamente todos os olhos estavam parados em mim, a maioria acompanhados de risos e perguntas sobre mim para a Ma. Uma verdadeira celebridade, só que não. 

Também tive um pouquinho de pena do cabeleireiro responsável por secar meu cabelo (e fazer uma escova que me deixou com cara de quem acabou de saltar diretamente de um filme dos anos 70). Meu cabelo é ondulado e bem fininho, completamente diferente do grosso e liso escorrido cabelo chinês ao qual ele está acostumado. Mesmo sem meus óculos, pude vê-lo lutando com o secador para que meu cabelo não voasse da escova enquanto ele o secava.

Acabamos não tirando as tais fotos de casamento neste dia porque o fotógrafo disse que pela hora (eram 2 da tarde), nós ficaríamos muito cansados e isso iria aparecer nas fotos. O que, baseado em nossa experiência alguns dias depois, quando as fotos foram enfim tiradas, é totalmente verdade.

Fomos então passear no shopping do outro lado da rua, procurando calças para o John. Experimenta daqui, faz barra dali, compra cinto e subimos 6 lances de escadas rolantes para tomar um café. Ma fica para trás para ir ao banheiro. Quando ela finalmente nos encontra, traz a novidade: quer comprar um vestido daqueles tradicionais chineses para mim. 

Vamos então brincar de experimentar vestidos - novamente, coisa que eu não faço com muita freqüência. Um vestido mais lindo que o outro, acabamos levando dois por não sabermos decidir. Mas aí - culpo essa mania de papel de gênero da sociedade - é claro que preciso de um par de sapatos para os vestidos. Consumismo desenfreado em plena terra de Mao Tsé Tung, que por fim acaba não se cumprindo pois meus pés tamanho 37 aparentemente são grandes demais para os modelos que eu gosto na terra dos pés de lótus.

Voltamos então para casa, pegando ônibus, metrô e andando mais um tanto suficiente para nos fazer cairmos na cama antes das 9:30 da noite, encerrando assim o nosso feliz e produtivo terceiro dia no outro lado do mundo.

Obs.: Novamente quem está postando aqui é a Mari, portanto não dá pra Tati nos atualizar com tanta frequência assim dos relatos da viagem, mas ela disse que logo logo manda mais alguns e assim que tiver na África do Sul, ela volta. 

domingo, 7 de abril de 2013

A viagem, o Wu Mart e a notória discrição chinesa


Atenção: Esse post está sendo publicado pela queridíssima irmã mais nova da Tati. Aparentemente ela não consegue acessar o blog lá da China, então me encarregou dessa tarefa honrosa. Com vocês, mais um capítulo do diário de bordo de alguém que está "perdida na China": 
P.s.: Ela não conseguiu enviar fotos ainda, quando tiver acesso a uma internet melhor prometeu colocar algumas.
O mais novo capítulo do meu diário de bordo começa, como não poderia deixar de ser, com a viagem. Passagens compradas há meses, ansiedade crescendo na garganta, malas feitas e lá vamos nós encarar 8 horas de viagem até Johanesburgo, onde esperaríamos por mais 9 pelo vôo de 14 até Beijing, China. 

O primeiro trecho da viagem foi tranqüilo. Avião praticamente vazio e, graças à sabedoria e brilhantismo do John - que me pediu para acrescentar este adendo -, conseguimos uma fileira de 3 poltronas para cada um. Deitadinhos, razoavelmente confortáveis, as primeiras 8 horas da viagem se passaram sem nenhum tipo de trauma - para me garantir, tomei um Dramin antes de embarcar.

Começam então as longas 9 horas de espera em Johanesburgo. Tempo mais do que suficiente para decorarmos toda a área de embarque do aeroporto - momento em que agradeço pelo fato dele não ser pequeno e vergonhosamente velho como o nosso querido Internacional de Guarulhos. Tempo para, inclusive, tirarmos mais uma soneca nas poltronas por lá antes de, enfim, embarcar em um avião com mais chineses do que a Liberdade em dia de festa.

Mais longas 14 horas - em que ainda tivemos a sorte de conseguir uma fileira de duas poltronas para cada - e finalmente chegamos em Beijing. Já do ar me assusto com o tamanho do aeroporto, muito bonito em sua arquitetura. Com visto nos passaportes, passamos rapidamente pela alfândega e nos dirigimos ao trem que nos levará até as esteiras de bagagem.

Sim, eu disse trem. Em uma cidade assombrosamente grande como Beijing - dizem que, entre habitantes fixos e os rotativos, aqueles que vêm à capital para trabalhar por um período e depois voltam para suas cidades, o número chega a 25 milhões de pessoas -, o aeroporto precisa de um trem para que os passageiros cheguem de um ponto a outro. 

Bagagem recolhida, nos dirigimos à saída. Lá fora nos espera Nai Nai, a avó do John, junto com o fiel motorista de táxi que nos levaria através da cidade até seu apartamento. Aproveito o trajeto, durante o qual os três não param de conversar - em chinês, obviamente - para observar Beijing às 8:30 da noite.

O que consegui ver - lembrem-se de que enquanto escrevo isso, não faz nem dois dias que cheguei e ainda não fomos explorar mais a fundo a cidade - é que Beijing, apesar de muito maior do que São Paulo, é bastante mais espalhada do que nossa metrópole, o que a faz ser dividida em "setores" menores. Também - informação do John - não é muito comum que as pessoas aqui morem em um lado da cidade e trabalhem em outro. Há também pedágios no meio da cidade - lembra, aquele que estão pensando em implantar em São Paulo? -, mas eu acredito que o preço não seja absurdo.

Com as 11 horas de diferença para o Brasil, acordamos no dias seguinte às 6:30 da manhã, já animados para sair à rua. Muitas camadas de roupa depois - aqui é primavera, mas ainda está bem friozinho -, saímos John, Nai Nai e eu para esperar o ônibus.

Enquanto esperamos, Nai Nai se distancia. "Onde ela vai?", pergunto ao John, mas ele sabe tanto quanto eu. Ela se encaminha até um cavalete da construção em frente e John e eu assistimos, em um misto de embasbacamento e vergonha de nós mesmos, enquanto aquela velhinha de 80 anos que parece saída de uma lojinha de bonecas de porcelana chinesas apóia a perna no cavalete com quase a mesma altura dela e, sem cerimônia, começa a se alongar.

Alongamento matinal terminado, o ônibus chega e nós três embarcamos. John passa o "bilhete único", que cobra 40 centavos de Yuan de cada um. Sim, 40 centavos. De Yuan, lembrando, que custa cerca de R$0,33 cada. Ou seja, uma passagem de ônibus em uma cidade com uma população maior do que a de São Paulo custa por volta de R$0,15. Me dá uma vergonha absurda lembrar dos R$3,30 que eu pagava em Campinas.

Um ônibus cheio de chineses, então, levanta seus olhinhos puxados para mim. Respiro fundo e tento me acostumar com a sensação, pois quanto mais ao sul viajarmos, maior é a tendência da minha pele branca, cabelo ruivo e olhos azuis chamarem a atenção. Me sento por alguns minutos, até um senhorzinho entrar no ônibus e eu ceder meu lugar a ele. "Fank you", ele diz, todo orgulhoso de si mesmo por ter finalmente usado o pouco inglês que aprendeu durante os Jogos Olímpicos.

Descemos do ônibus em uma espécie de galeria/shopping e vamos fazer compras em um supermercado chamado Wu Mart. Após eu rir muito, tanto do trocadilho com Wal Mart quanto pelo fato do sobrenome do John ser Wu, tenho finalmente o primeiro grande choque que me faz perceber que estou em um país totalmente diferente de tudo o que conheço. 

Produtos coloridos, brilhantes, em embalagens e rótulos que não me permitem ter a mínima idéia do que de fato são. Vejo um pacote de algo que se parece muito com adubo, mas que na verdade é farinha, ao lado de algo que lembra um pacote de velas, mas na verdade é macarrão. Frutas geneticamente modificadas de tamanhos assustadores, ao lado de verduras que nunca vi antes. Pães, biscoitos e bolos de cores estranhas e ingredientes ainda mais esquisitos na seção de padaria. E ali, logo ao lado, a mais peculiar de todas as coisas neste Wu Mart, que merece um parágrafo próprio.

Entre a padaria e o hortifruti, um quiosque parecido com uma seção de frios em qualquer mercado brasileiro. Exceto que, ao invés de queijos, presunto e salame, há patos assados na geladeira. E, em uma parte de self-service, vários ingredientes selecionados e picados estão ali, prontos para que o cliente os escolha. John pega um saquinho e o enche com diferentes ingredientes - fruta de lótus, cogumelos variados, carne de porco processada, verduras cujos nomes não faço a mínima idéia de quais são. Ele entrega o saquinho, então, para a mulher atrás do balcão, que, sorridente, começa a misturar vários molhos à escolha da Nai Nai. Terminado o serviço, ela amarra o saquinho e uma parte do nosso almoço está ali, prontinha.

Durante este tempo, é claro, vários pares de olhos puxados não paravam de, discretamente ou não, olhar para mim. Após quase causar um acidente com a moça que recarregava as pêras por causa disso, terminamos as compras e fomos esperar no caixa. No caminho pensei em comprar um creme para a pele, mas desisti ao chegar na seção de cosméticos e lembrar que eu não falo - e muito menos leio - chinês.

Saindo do mercado, ouço duas mulheres falando algo sobre mim. Bom, eu sabia que era sobre mim porque, como mencionei acima, nem sempre chineses são discretos. Na verdade, muitas vezes eles são exatamente o oposto; ainda terei oportunidade, espero, de passar e contar por mais situações engraçadas a este respeito. Mas, enfim, fato é que as duas mulheres falaram algo e John começou a rir alto. "O que foi?", pergunto. "Elas estavam falando: 'olha só, que branquinha, que cabelo vermelho… dá vontade de levar para a casa para ser nossa nora, né?'". 

Voltamos para casa assistir TV e esperar a hora do almoço. John vai fazer uns omeletes e me deixa sozinho com a Nai Nai. 

Entendam: Nai Nai é uma velhinha muito bonitinha, do tipo que muita gente gostaria de colocar em um potinho e guardar na prateleira. Mas ela também acredita que, se continuar falando chinês comigo insistentemente, eu vou magicamente começar a entender. Sabem, sem nem fazer gestos para me dar uma dica de sobre o que ela está falando. John me ensinou meia dúzia de palavras básicas, o que não me deixa perdida quando preciso dizer "oi", "comida gostosa" e "obrigada", mas entre isso e entender tudo o que eles dizem há um abismo enorme.

Após o almoço, John e eu voltamos à mesma galeria/shopping onde o supermercado fica, para explorar mais. Damos uma olhada em algumas lojas e tal, até entrarmos em um andar que era a mistura perfeita entre os Xing Ling da Avenida Paulista e o paraíso na Terra.

Várias lojinhas se espalhavam sem fim por dois andares, com os itens mais variados e curiosos e interessantes que eu já vi. Minha criança interior dava pulinhos de alegria, enquanto minha parte adulta e responsável tomava nota mental de tudo o que havia ali para voltar futuramente e fazer compras. 

Havia também várias dessas lojinhas com manicures express, daquelas que têm até maquininha para imprimir na unha. Acho que vou voltar lá mais tarde, só para experimentar. Uma dessas lojinhas de manicures, aliás, me deu mais uma demonstração da já notória discrição dos chineses: três mulheres estavam sentadas, desocupadas, conversando sobre a vida e rindo. Uma delas, então, me notou. Imediatamente, as três pararam de conversar e ficaram me observando como se eu fosse o elo perdido entre um ET e a celebridade mais famosa do mundo, e me seguiram com os olhos durante todo o meu trajeto em frente à loja delas.

Antes de voltar para casa, passamos em um McDonald's porque, admito, eu estava curiosa para saber o que servem em um McDonald's na China. De forma geral, os hambúrgueres pareceram bem semelhantes aos do Brasil, mas minha opinião também pode ser baseada no fato de que não leio chinês e os cartazes, obviamente, não estavam em inglês. De repente aquele símbolo que eu jurei que significava "Big Mac" na verdade quer dizer "carne de cachorro", mas pelo menos as fotos eram bem normais. A única coisa que me chamou a atenção, na verdade, foi o fato de que os combros incluem o hambúrguer, batata frita, refrigerante e uma porção de frango frito. É. Ao estilo KFC, para quem conhece. Chineses aparentemente gostam muito de frango frito.

A saga do nosso primeiro dia em Beijing termina de forma menos excitante do que muitos poderiam esperar. Devido à diferença de 11 horas no fuso e ao fato de que havíamos acordado às 6:30 da manhã, resolvemos deitar para tirar um cochilo de meia hora às 6 da tarde. Acordamos às 5 da manhã, prontos para o nosso segundo dia.