domingo, 30 de outubro de 2011

A Língua Nossa de Cada Dia

Nunca mencionei aqui, mas como - por enquanto - todo mundo que entra e comenta aqui já me conhece e deve saber, o namorado não é brasileiro.

Especificar exatamente de onde ele é pode ser complicado. Ele é sul-africano. Mas é chinês. E tem uma pitada de australiano. Em resumo, é nascido na China, naturalizado na África do Sul e morou três anos na Austrália. Fala chinês e inglês como primeiras línguas. Aprendeu um pouco de africâner nos últimos anos do colegial para poder se formar. Mora há quase dois anos no Brasil, onde está aprendendo português - com grande sucesso, digo com orgulho - na marra.

Nossos pontos de encontro são no português e no inglês. Mais freqüentemente inglês, já que sou mais fluente na língua do que ele em português. Mas a convivência no dia-a-dia e com colegas e família que não falam inglês fez com que criássemos nossa própria sub-língua. Um híbrido de português e inglês que é totalmente compreensível por quem fala as duas línguas mas soa coisa de gente doida para quem só fala uma das duas.

A globalização começa em casa. Pelo menos na minha.

Incluir palavras de uma língua durante uma frase na outra foi apenas a fase inicial do processo. "Can you please pass me that caderninho?" e "Me help com isso, please?". 
Sem que percebêssemos, uma palavra se tornou várias e começar uma frase em uma língua e terminar em outra passou a ser normal. "I'll have class até umas cinco da tarde".
O momento de reconhecimento de que aí havia surgido uma nova sub-língua se deu quando o namorado, perguntado sobre o horário de sua próxima aula, respondeu com total naturalidade: "It's seven e meia".

Para quem fala as duas línguas, frases como essa passam na maioria das vezes por despercebido. Apenas às vezes percebemos quando falamos assim. Mas para quem não fala as duas, são momentos engraçados de se assistir.

Um episódio desses se passou quando namorado conversava com nossa chefe e a irmã dela (que não fala inglês). Bons dez minutos de conversa, namorado vai embora. Mais tarde, nossa chefe vem rindo. Diz que assim que ele saiu, a irmã desatou a dizer que tinha entendido apenas metade da conversa. Que volta e meia ela prestava atenção na fala dele e de repente ele soltava metade da frase em inglês - e aí ela boiava. Nossa chefe não percebeu.

Outro episódio engraçado é quando namorado conversa por voz com os amigos de jogo online dele. São todos americanos (estadunidenses, como preferir) ou canadenses. Então lá estão eles, no meio de uma fase difícil, e namorado solta um "Que é isso, dude?". Nos segundos de silêncio que se seguem dá para sentir a interrogação gigante pairando no ar "Que diabos ele disse?".

Os mais puristas diriam que estamos assassinando nossas línguas. Como ex-futura-lingüista, adoro registrar estes momentos de "deslize" (não gosto de chamá-los assim) e me divertir com eles. 

Aí vocês me perguntam: E quanto ao chinês? Eu digo que será preciso (muita) paciência para que eu chegue lá. Mas um dia, quem sabe, daqui a alguns anos, seja preciso falar três línguas para conseguir entender tudo o que a gente fala.

sábado, 29 de outubro de 2011

Comercial de Margarina

Há quem sonhe com a família perfeita. Mãe e pai bonitos, crianças lindas, todos sorridentes e bem vestidos sentados ao redor da mesa do café-da-manhã. A típica família comercial-de-margarina, que por anos foi vendida em horário nobre diretamente da televisão para o sofá da nossa casa.

Sua família se parece com isso? É, a minha também não.

Muito se fala sobre a idealização da mulher perfeita pela mídia, mas ninguém parece pensar muito nos efeitos que idealizar a família perfeita podem causar. "Ah, mas todo mundo sabe que aquelas famílias nos comerciais são de mentirinha". Bom, pensando assim, todo mundo sabe que aquelas mulheres esculturais também são de mentirinha (em alguns casos, literalmente: a Beyoncé, por exemplo, já confessou que usa duas meia-calças para esconder a celulite durante os shows).

Não vou querer dar uma de especialista de Fantástico e falar sobre todos os males que vender um padrão de felicidade e normalidade pode provocar na cabeça das pessoas. Mas não me surpreende nem um pouco quando vejo pessoas reclamando de suas famílias que, apesar de não serem as famílias sorridentes de comercial de margarina, são muito bem ajustadas e felizes.

Claro que existem - e muitas - famílias com problemas sérios. Tenho contato com várias pessoas vindas de família assim. Por isso não é difícil identificar quando alguém vem com reclamações vazias.

Digo sempre que sou privilegiada. Venho de uma família que se aproxima ao máximo que a realidade permite de um comercial de margarina. Pai e mãe casados há quase 25 anos, felizes. Nunca presenciei uma briga entre eles - no máximo discussõezinhas bestas. Ninguém na família jamais teve problemas com drogas, ninguém engravidou com 14 anos de idade e nunca ninguém passou fome. Não há nenhuma vítima de violência grave e ninguém próximo morreu antes dos 60 anos de idade.

Temos nossos problemas? Claro. Eu e minha irmã por pouco não nos matamos na infância. Meus pais não me entendiam durante minha adolescência (e não entendem minha irmã agora). Minha mãe e minha avó lutaram contra a depressão durante longos anos de suas vidas. Volta e meia o dinheiro acaba e ficamos na pindaíba. Às vezes falta paciência e brigas acontecem.

Agora imaginem se eu fizesse de tudo isso o inferno da minha vida. "Oh, não posso ser feliz porque minha mãe tem depressão" ou "Oh, meu Deus, não temos dinheiro para ir ao cinema esse mês". É isso o que vejo acontecendo. Várias e várias pessoas reclamando de problemas naturais da convivência em família e sociedade. Pessoas que não se conformam em não viverem num comercial de margarina transformando garoa em tempestade só para terem do que reclamar. As mesmas pessoas que olham a foto da Gisele Bündchen na capa da revista e reclamam por não terem o corpo como o dela - mesmo atraindo olhares nas ruas ainda assim. Porque algumas pessoas precisam ter do que reclamar.

A essas pessoas, apenas sugiro que gastem tanta vontade de reclamar com algo mais útil. Fundem associações de amparo a pessoas com problemas reais, organizem passeatas contra o governo. E se ainda assim precisarem seguir um modelo de família perfeita, sugiro que levem seus horizontes um pouco mais além dos comerciais de margarina. Família feliz é aquela que tem sim seus problemas, suas diferenças e suas peculiaridades, mas que estará sempre lá quando você precisar dela.

A família mais feliz do mundo.

Deixo então essa pergunta - para a qual não espero realmente resposta. As coisas que você reclama da sua família são realmente problemas ou são apenas sua maneira de saciar a vontade de reclamar?

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Se eu morrer de salto alto...

Vivo uma vida cheia de emoções e perigos. Já quase morri várias vezes. Quase morro pelo menos uma vez por dia. Duas quando estou gripada ou ferida.
Depois de já ter agüentado pelo menos duas gripes, três ferimentos mortais e algumas tentativas de envenenamento, namorado aprendeu.

- Amor, se eu morrer...
- Já sei, já sei... Cremar, não enterrar. 

Ontem eu estava ferida. Por um motivo de mulher-bicho-besta, resolvi pôr o par de sandálias de saltos altíssimos que - coloquemos dessa forma - peguei emprestado da minha irmã. Aqui devo confessar uma coisa: não sei andar de salto. Devido a uma série de circunstâncias que envolveram desde dores nas costas até cinco anos de namorado quase mais baixo do que eu, acabei não desenvolvendo as habilidades femininas de se equilibrar em cima de um salto.

Andar de saltos altos está na natureza feminina. Ou não.

Mas depois de treinar algumas vezes em casa (vezes nas quais eu me sentia uma verdadeira Mulher-Gato em cima de salto agulha, pronta para arrasar), resolvi que já tinha skills suficientes para enfrentar o shopping. Resultado: de Mulher-Gato passei a me sentir a Mulher-Pato, meus pés suavam feito duas bicas e me faziam escorregar dentro das sandálias e sabe aquela poeira da rua que entra debaixo do seu pé e vira sujeira? Viraram verdadeiras pedrinhas que ficaram se esfregando nos meus já espremidos dedinhos, quase cortando a pele. Uma verdadeira tortura medieval, eu diria.

Sei não... Tenho minhas dúvidas de qual método é mais cruel.

E, claro, quase morri. Já bem treinado, namorado só ri da minha cara (o que acho uma injustiça, uma vez que eu estava quase morrendo para tentar ficar mais bonita para ele). Depois que eu desisti de bancar a Mamãe Ganso e resolvi tirar as sandálias ali no meio do shopping, mesmo (e comprar o primeiro par de chinelos baratinhos para não machucar os pés já feridos), voltamos para casa e eu me joguei na cama com os pés para cima.

Namorado quieto. Eu de pés inchados. Namorado resmunga. O que foi, dessa vez?
- Por que você resolveu pôr essas sandálias se sabia que iam machucar?
Nesse momento quase comecei um discurso sobre a sociedade machista e como ela obriga as mulheres a se infligirem os mais diferentes tipos de tortura para ficarem mais agradáveis ao sexo masculino, mas parei para pensar. Não, ele não havia me obrigado a usar as sandálias. Ele nem ao menos sabia que eu as havia contrabandeado na última visita à casa dos meus pais. Ele nunca deu a entender que gostaria que eu me vestisse de forma assim ou assado para ficar mais bonita para ele exibir.

Cheia de vergonha, admiti. Eu decidira colocar as sandálias porque eu achava que ficava mais bonita com elas. Por mais que a sociedade machista diga que as mulheres devam estar sempre lindas e femininas a qualquer custo, quem insistiu em sofrer no alto daqueles dez centímetros fui eu.

Levantei para ir ao banheiro. Pés explodindo de dor. Sinto que vou morrer.

- Amor, se eu morrer...
- Já sei, já sei... Cremar, não enterrar...

E são apenas quatro meses.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Primeiro Beijo


Ah, o primeiro beijo...

Primeiras vezes são sempre marcantes. Os primeiros passos (você pode não se lembrar, mas seus pais com certeza não se esquecem), o primeiro dia de aula, o primeiro melhor amigo, a primeira decepção, os primeiros beijos.

Sim. "Os" primeiros. No plural. Porque cada pessoa que beijamos pela primeira vez é um primeiro beijo. A primeira vez que aqueles lábios se encostam, a primeira vez que as línguas se conhecem. Às vezes (muitas vezes) o primeiro beijo é também o último. Nesses casos nem sempre eles são especiais ou dignos de serem lembrados, mas de certa forma foram marcantes. Ou deveriam.

Um primeiro beijo é a primeira troca de informações importantes entre um talvez futuro casal. É quando pela primeira vez um sente a respiração do outro, sente a textura dos lábios, o gosto da saliva, o cheiro da pele. É quando marcam o compasso, quando decidem o ritmo, como uma dança.

Eu gosto de beijar. Como boa leonina - calem-se os comentários de "Ih, ela acredita em Astrologia!" -, acho que beijar é uma arte e deve ser explorada em todos os menores detalhes. E adoro primeiros beijos. Confesso que não tive tantos quanto a maioria das pessoas, mas todos - ou quase todos - foram marcantes.

Primeiro beijo pra mim tem que ser longo. Não dá para trocar todas as informações citadas acima em questão de segundos. Tem que durar no mínimo alguns minutos (alguns dos meus duraram até horas). Não se pode ter pressa.

Demorei mais do que a média para ser iniciada nessa arte. Tinha quase 16 anos quando aconteceu. Era o amigo de uma amiga minha, que havia sido meu amigo na infância mas havíamos perdido contato. Foi num campinho de futebol na cidade pequena em que ele mora, numa noite de julho. Eu estava nervosa, mas não tanto a ponto de fazer feio. Foi um bom beijo. Um longo beijo. Não tão longo quanto eu gostaria porque a certa altura ele percebeu que meu coração estava querendo sair pela boca e, como não estava a fim de engolir corações alheios, parou para me abraçar.

Namoramos por cinco anos.

Meu segundo primeiro beijo ocorreu cerca de seis meses após o primeiro (nesse momento devo explicar que eu morava em Goiânia na época e meu primeiro primeiro beijo morava no interior de São Paulo, só começamos a namorar de verdade mais de um ano após os acontecimentos narrados). Foi numa festa de amigos do colegial - aquelas às quais eu nunca ia. Um amigo (ou seria inimigo?) com quem já tinha uma certa tensão sexual há tempos. Com álcool no sangue (uma latinha de cerveja com coca-cola, que vergonha...) e a música certa... Bam! Lá se foi nosso primeiro beijo. Novamente, longo. Muito longo. Longo o suficiente para todas as pessoas da festa se entediarem com a novidade e pararem de gritar "Oh, meu Deus! Eles estão se beijando!" (ah, o colegial!...).

Trocamos mais uma meia dúzia de beijos naquela noite. Depois disso, nunca mais.

Depois vieram mais alguns primeiros beijos de menor importância. Mas todos, sem exceção, foram longos. É, digamos, o meu estilo.

E então veio o namorado, que foi a razão pela qual comecei a escrever tudo isso aqui. Nosso primeiro beijo veio após meses de flirting (adoro essa palavra e acho que não existe correspondente à altura em português - "flerte" é coisa que minha avó fazia). Troca de olhares, provocações veladas (ou nem tanto), jogo de "quero-não-quero", toques "sem querer", uma ida ao cinema (para pagar uma aposta) e muita, mas muita vontade.

Era 16 de junho desse ano. Festa Junina no trabalho (trabalhamos no mesmo lugar), aquela onda de vontade no ar. Eu estava brava com ele porque no dia anterior ele havia recusado um convite para ir a um barzinho. "Quer saber? Cansei dessa brincadeira. Se ele não quer nada, vou partir pra outra."
Bar com os colegas após a festa. Sentamos de frente um para o outro (olha nossa dinâmica perfeita já sendo formada sem a gente perceber). Provocações e olhares voltam a acontecer. E o álcool começa a circular no nosso sangue.

Bar fecha (às 11:30 da noite, porque afinal de contas Barão Geraldo não é um bairro universitário, não é mesmo?) e alguns dos colegas resolvem esticar o happy hour numa festa da Unicamp. Ele vai? Então também vou.

Festa da Unicamp já acabando, mas ainda com bebida à venda. Os outros colegas já estão pra lá de Bagdá (e tem leitor que vai me matar por contar isso). Rindo do estado alcoólico dos outros, ele me abraça. "Aja naturalmente", uma voz na minha cabeça diz. Ficamos andando pela (extinta) festa abraçados, conversando com os mais alcoolizados. De repente nos vemos sozinhos. Os olhos se cruzam. Ainda temos discussões para saber quem moveu a cabeça em direção a quem, mas quando percebemos os lábios já estão colados.

E se passam minutos. E se passam horas. Não sabemos exatamente quanto tempo, mas ele chuta duas horas. Eu sou mais realista, acho que foi pouco mais de uma. Um primeiro beijo bem longo, do jeito que eu gosto.

Estamos juntos há quatro meses. And counting.

E você? Como tem que ser um primeiro beijo para você?

terça-feira, 18 de outubro de 2011

De Frente ou De Lado?

Lembro-me de uma vez, há vários anos, ter assistido uma reportagem da TV (provavelmente no Fantástico ou outro programa de utilidades do gênero) em que um especialista em relacionamentos saía às ruas para avaliar o nível de entrosamento dos casais apenas pela observação.

Ora, não é necessário ser nenhum especialista para perceber quando um casal está bem entrosado ou não; risos, mãos dadas, olhares... tudo isso nos dá a dica, não? De acordo com o tal especialista, essas coisas até dão uma certa idéia, mas um detalhe é batata (alguém ainda usa essa gíria?): a disposição dos casais sentados em uma mesa. De acordo com ele, casais que se sentam lado a lado estão curtindo o maior love, enquanto casais que se sentam frente à frente estão com problemas no relacionamento. Simples assim.

Me lembrei disso na primeira vez em que o namorado me levou a um restaurante. Primeira vez saindo juntos para jantar, ainda não havíamos experimentado a dinâmica da disposição à mesa. Pensando no tal especialista, me sentei ao lado dele em uma mesa para quatro (ocupada apenas por nós dois). Resultado? Não conseguíamos conversar direito - uma vez que essa disposição dificulta o contato visual - e a comida que ia sendo servida sobre a mesa (era uma churrascaria) não ficava a uma distância favorável de nenhum de nós ("passa aquela picanha na sua frente, por favor?", "tó aqui a maminha que você pediu").

Depois de uns quinze minutos de frustração, namorado sugeriu o óbvio. "Por que você não senta na minha frente pra eu poder olhar pra você?". Além do cuidado com a escolha de palavras ("para eu poder olhar pra você" e não "porque foi uma idéia de jerico sentar do meu lado"), namorado jogou por terra a teoria do tal especialista. Tudo bem, sentar lado a lado é bom para quando você quer ficar abraçadinho observando a luz do luar (o que - exceto pela parte do luar - aconteceu quando o jantar terminou), mas na hora de comer o que você quer mesmo é olhar nos olhos da outra pessoa, observá-la comendo (existe algo de sensual em ver outra pessoa comendo, já notaram?) e ter as laterais livres para poder se movimentar, servir a comida e - porque é pra isso que estamos lá - comer. E isso não tem nada a ver com o nível de entrosamento entro o casal.

Certo, mas e quando sairmos com outras pessoas? Com outro casal, por exemplo, faremos um swing e cada um senta de frente para o próprio par e ao lado do par do outro? Mais uma vez o namorado - em sua sabedoria imensa - deu a solução: "Quando sairmos só nós dois, sentamos frente à frente. Se tiver mais gente, lado a lado".  Pronto. Simples, prático e muito mais inteligente.

Mas e quanto àqueles casais que, mesmo estando apenas a dois, sentam-se lado a lado? Oras, problema deles! Assim como cada pessoa, cada casal tem a sua dinâmica e funciona melhor de um jeito - e por mais que algumas semelhanças possam existir, é impossível criar uma lei universal que dite como todos os casais devam agir para serem felizes. E ninguém precisa ser um especialista do Fantástico para saber disso.

domingo, 16 de outubro de 2011

"Felizes Para Sempre"

Nunca acreditei no "para sempre". Desde bem pequena, quando os contos de fadas diziam "e eles viveram felizes para sempre", eu ouvia com certa descrença. Para sempre mesmo? Quem foi o cronista que acompanhou o príncipe encantado e a princesa enfeitiçada até os últimos dias de suas vidas para saber se eles foram felizes "para sempre"? Quem pode garantir que logo após acordar a princesa Aurora do seu sono de 100 anos o príncipe não descobriu que ela tinha um tremendo bafo de onça e pensou que seria melhor ter se casado com o dragão? E vai lá saber se a fruta preferida do príncipe da Branca de Neve não era justamente maçã e ter que bani-la para sempre das compras de mês por conta do trauma da esposinha não tenha desgastado o relacionamento? Ou, sei lá, vai que pintou um ciúme dos anões...

E antes que pensem o contrário, não, eu não sou filha de pais separados. Casados e felizes há quase 25 anos, não foi daí que veio minha descrença no "para sempre".

Mas o fato é que, devido a estas histórias e ao ideal judaico-cristão de família, criou-se uma certeza de que relacionamentos são feitos para durar para sempre. Se não durar - não importa se passaram-se dois meses ou 35 anos -, "não deu certo".

Terminei um relacionamento de cinco anos há cerca de seis meses. À época muita gente vinha me perguntar - inclusive o próprio ex - por que tinha "dado errado". Por mais que eu tenha tentado, não consegui compreender que tipo de lógica alguém segue para crer que um relacionamento de cinco anos - como todos os outros, com momentos ruins mas também cheio de momentos felizes - possa ser encarado como "dar errado".

Ficamos juntos - contra todas as expectativas, considerando a pouca idade com que começamos este relacionamento - por completos cinco anos. Fui feliz e também o fiz feliz durante grande parte deste tempo. Então por que quando, devido à mudança natural dos anos, decidimos seguir caminhos separados, temos este relacionamento rotulado como "fracassado"?

Imaginem que, após quebrar o feitiço de seu amado, Bela - vinda de origem humilde - tenha se cansado de viver num castelo cheio de empregados cuidando do seu bem estar e também da sua vida. Mesmo com jantares à luz do luar e bailes até a noite acabar, ela está cansada daquela vida e até mesmo o amor pela ex-Fera já não a faz quebrar encantamentos. Ela decide então seguir sua vida como romancista e vai viajar o mundo. De que forma isso diminui o valor da dança ao som de Madame Samovar ou do amor que um dia ela sentiu? Alguém seria capaz de dizer que o relacionamento deles "não deu certo"?

Por isso, para todas as vezes em que o "para sempre" chegar ao fim, procuro me lembrar das Pessoas do Fernando:
"Valeu a pena? Tudo vale a pena se a alma não é pequena"