Especificar exatamente de onde ele é pode ser complicado. Ele é sul-africano. Mas é chinês. E tem uma pitada de australiano. Em resumo, é nascido na China, naturalizado na África do Sul e morou três anos na Austrália. Fala chinês e inglês como primeiras línguas. Aprendeu um pouco de africâner nos últimos anos do colegial para poder se formar. Mora há quase dois anos no Brasil, onde está aprendendo português - com grande sucesso, digo com orgulho - na marra.
Nossos pontos de encontro são no português e no inglês. Mais freqüentemente inglês, já que sou mais fluente na língua do que ele em português. Mas a convivência no dia-a-dia e com colegas e família que não falam inglês fez com que criássemos nossa própria sub-língua. Um híbrido de português e inglês que é totalmente compreensível por quem fala as duas línguas mas soa coisa de gente doida para quem só fala uma das duas.
A globalização começa em casa. Pelo menos na minha. |
Incluir palavras de uma língua durante uma frase na outra foi apenas a fase inicial do processo. "Can you please pass me that caderninho?" e "Me help com isso, please?".
Sem que percebêssemos, uma palavra se tornou várias e começar uma frase em uma língua e terminar em outra passou a ser normal. "I'll have class até umas cinco da tarde".
O momento de reconhecimento de que aí havia surgido uma nova sub-língua se deu quando o namorado, perguntado sobre o horário de sua próxima aula, respondeu com total naturalidade: "It's seven e meia".
Para quem fala as duas línguas, frases como essa passam na maioria das vezes por despercebido. Apenas às vezes percebemos quando falamos assim. Mas para quem não fala as duas, são momentos engraçados de se assistir.
Um episódio desses se passou quando namorado conversava com nossa chefe e a irmã dela (que não fala inglês). Bons dez minutos de conversa, namorado vai embora. Mais tarde, nossa chefe vem rindo. Diz que assim que ele saiu, a irmã desatou a dizer que tinha entendido apenas metade da conversa. Que volta e meia ela prestava atenção na fala dele e de repente ele soltava metade da frase em inglês - e aí ela boiava. Nossa chefe não percebeu.
Outro episódio engraçado é quando namorado conversa por voz com os amigos de jogo online dele. São todos americanos (estadunidenses, como preferir) ou canadenses. Então lá estão eles, no meio de uma fase difícil, e namorado solta um "Que é isso, dude?". Nos segundos de silêncio que se seguem dá para sentir a interrogação gigante pairando no ar "Que diabos ele disse?".
Os mais puristas diriam que estamos assassinando nossas línguas. Como ex-futura-lingüista, adoro registrar estes momentos de "deslize" (não gosto de chamá-los assim) e me divertir com eles.
Aí vocês me perguntam: E quanto ao chinês? Eu digo que será preciso (muita) paciência para que eu chegue lá. Mas um dia, quem sabe, daqui a alguns anos, seja preciso falar três línguas para conseguir entender tudo o que a gente fala.