domingo, 7 de abril de 2013

A viagem, o Wu Mart e a notória discrição chinesa


Atenção: Esse post está sendo publicado pela queridíssima irmã mais nova da Tati. Aparentemente ela não consegue acessar o blog lá da China, então me encarregou dessa tarefa honrosa. Com vocês, mais um capítulo do diário de bordo de alguém que está "perdida na China": 
P.s.: Ela não conseguiu enviar fotos ainda, quando tiver acesso a uma internet melhor prometeu colocar algumas.
O mais novo capítulo do meu diário de bordo começa, como não poderia deixar de ser, com a viagem. Passagens compradas há meses, ansiedade crescendo na garganta, malas feitas e lá vamos nós encarar 8 horas de viagem até Johanesburgo, onde esperaríamos por mais 9 pelo vôo de 14 até Beijing, China. 

O primeiro trecho da viagem foi tranqüilo. Avião praticamente vazio e, graças à sabedoria e brilhantismo do John - que me pediu para acrescentar este adendo -, conseguimos uma fileira de 3 poltronas para cada um. Deitadinhos, razoavelmente confortáveis, as primeiras 8 horas da viagem se passaram sem nenhum tipo de trauma - para me garantir, tomei um Dramin antes de embarcar.

Começam então as longas 9 horas de espera em Johanesburgo. Tempo mais do que suficiente para decorarmos toda a área de embarque do aeroporto - momento em que agradeço pelo fato dele não ser pequeno e vergonhosamente velho como o nosso querido Internacional de Guarulhos. Tempo para, inclusive, tirarmos mais uma soneca nas poltronas por lá antes de, enfim, embarcar em um avião com mais chineses do que a Liberdade em dia de festa.

Mais longas 14 horas - em que ainda tivemos a sorte de conseguir uma fileira de duas poltronas para cada - e finalmente chegamos em Beijing. Já do ar me assusto com o tamanho do aeroporto, muito bonito em sua arquitetura. Com visto nos passaportes, passamos rapidamente pela alfândega e nos dirigimos ao trem que nos levará até as esteiras de bagagem.

Sim, eu disse trem. Em uma cidade assombrosamente grande como Beijing - dizem que, entre habitantes fixos e os rotativos, aqueles que vêm à capital para trabalhar por um período e depois voltam para suas cidades, o número chega a 25 milhões de pessoas -, o aeroporto precisa de um trem para que os passageiros cheguem de um ponto a outro. 

Bagagem recolhida, nos dirigimos à saída. Lá fora nos espera Nai Nai, a avó do John, junto com o fiel motorista de táxi que nos levaria através da cidade até seu apartamento. Aproveito o trajeto, durante o qual os três não param de conversar - em chinês, obviamente - para observar Beijing às 8:30 da noite.

O que consegui ver - lembrem-se de que enquanto escrevo isso, não faz nem dois dias que cheguei e ainda não fomos explorar mais a fundo a cidade - é que Beijing, apesar de muito maior do que São Paulo, é bastante mais espalhada do que nossa metrópole, o que a faz ser dividida em "setores" menores. Também - informação do John - não é muito comum que as pessoas aqui morem em um lado da cidade e trabalhem em outro. Há também pedágios no meio da cidade - lembra, aquele que estão pensando em implantar em São Paulo? -, mas eu acredito que o preço não seja absurdo.

Com as 11 horas de diferença para o Brasil, acordamos no dias seguinte às 6:30 da manhã, já animados para sair à rua. Muitas camadas de roupa depois - aqui é primavera, mas ainda está bem friozinho -, saímos John, Nai Nai e eu para esperar o ônibus.

Enquanto esperamos, Nai Nai se distancia. "Onde ela vai?", pergunto ao John, mas ele sabe tanto quanto eu. Ela se encaminha até um cavalete da construção em frente e John e eu assistimos, em um misto de embasbacamento e vergonha de nós mesmos, enquanto aquela velhinha de 80 anos que parece saída de uma lojinha de bonecas de porcelana chinesas apóia a perna no cavalete com quase a mesma altura dela e, sem cerimônia, começa a se alongar.

Alongamento matinal terminado, o ônibus chega e nós três embarcamos. John passa o "bilhete único", que cobra 40 centavos de Yuan de cada um. Sim, 40 centavos. De Yuan, lembrando, que custa cerca de R$0,33 cada. Ou seja, uma passagem de ônibus em uma cidade com uma população maior do que a de São Paulo custa por volta de R$0,15. Me dá uma vergonha absurda lembrar dos R$3,30 que eu pagava em Campinas.

Um ônibus cheio de chineses, então, levanta seus olhinhos puxados para mim. Respiro fundo e tento me acostumar com a sensação, pois quanto mais ao sul viajarmos, maior é a tendência da minha pele branca, cabelo ruivo e olhos azuis chamarem a atenção. Me sento por alguns minutos, até um senhorzinho entrar no ônibus e eu ceder meu lugar a ele. "Fank you", ele diz, todo orgulhoso de si mesmo por ter finalmente usado o pouco inglês que aprendeu durante os Jogos Olímpicos.

Descemos do ônibus em uma espécie de galeria/shopping e vamos fazer compras em um supermercado chamado Wu Mart. Após eu rir muito, tanto do trocadilho com Wal Mart quanto pelo fato do sobrenome do John ser Wu, tenho finalmente o primeiro grande choque que me faz perceber que estou em um país totalmente diferente de tudo o que conheço. 

Produtos coloridos, brilhantes, em embalagens e rótulos que não me permitem ter a mínima idéia do que de fato são. Vejo um pacote de algo que se parece muito com adubo, mas que na verdade é farinha, ao lado de algo que lembra um pacote de velas, mas na verdade é macarrão. Frutas geneticamente modificadas de tamanhos assustadores, ao lado de verduras que nunca vi antes. Pães, biscoitos e bolos de cores estranhas e ingredientes ainda mais esquisitos na seção de padaria. E ali, logo ao lado, a mais peculiar de todas as coisas neste Wu Mart, que merece um parágrafo próprio.

Entre a padaria e o hortifruti, um quiosque parecido com uma seção de frios em qualquer mercado brasileiro. Exceto que, ao invés de queijos, presunto e salame, há patos assados na geladeira. E, em uma parte de self-service, vários ingredientes selecionados e picados estão ali, prontos para que o cliente os escolha. John pega um saquinho e o enche com diferentes ingredientes - fruta de lótus, cogumelos variados, carne de porco processada, verduras cujos nomes não faço a mínima idéia de quais são. Ele entrega o saquinho, então, para a mulher atrás do balcão, que, sorridente, começa a misturar vários molhos à escolha da Nai Nai. Terminado o serviço, ela amarra o saquinho e uma parte do nosso almoço está ali, prontinha.

Durante este tempo, é claro, vários pares de olhos puxados não paravam de, discretamente ou não, olhar para mim. Após quase causar um acidente com a moça que recarregava as pêras por causa disso, terminamos as compras e fomos esperar no caixa. No caminho pensei em comprar um creme para a pele, mas desisti ao chegar na seção de cosméticos e lembrar que eu não falo - e muito menos leio - chinês.

Saindo do mercado, ouço duas mulheres falando algo sobre mim. Bom, eu sabia que era sobre mim porque, como mencionei acima, nem sempre chineses são discretos. Na verdade, muitas vezes eles são exatamente o oposto; ainda terei oportunidade, espero, de passar e contar por mais situações engraçadas a este respeito. Mas, enfim, fato é que as duas mulheres falaram algo e John começou a rir alto. "O que foi?", pergunto. "Elas estavam falando: 'olha só, que branquinha, que cabelo vermelho… dá vontade de levar para a casa para ser nossa nora, né?'". 

Voltamos para casa assistir TV e esperar a hora do almoço. John vai fazer uns omeletes e me deixa sozinho com a Nai Nai. 

Entendam: Nai Nai é uma velhinha muito bonitinha, do tipo que muita gente gostaria de colocar em um potinho e guardar na prateleira. Mas ela também acredita que, se continuar falando chinês comigo insistentemente, eu vou magicamente começar a entender. Sabem, sem nem fazer gestos para me dar uma dica de sobre o que ela está falando. John me ensinou meia dúzia de palavras básicas, o que não me deixa perdida quando preciso dizer "oi", "comida gostosa" e "obrigada", mas entre isso e entender tudo o que eles dizem há um abismo enorme.

Após o almoço, John e eu voltamos à mesma galeria/shopping onde o supermercado fica, para explorar mais. Damos uma olhada em algumas lojas e tal, até entrarmos em um andar que era a mistura perfeita entre os Xing Ling da Avenida Paulista e o paraíso na Terra.

Várias lojinhas se espalhavam sem fim por dois andares, com os itens mais variados e curiosos e interessantes que eu já vi. Minha criança interior dava pulinhos de alegria, enquanto minha parte adulta e responsável tomava nota mental de tudo o que havia ali para voltar futuramente e fazer compras. 

Havia também várias dessas lojinhas com manicures express, daquelas que têm até maquininha para imprimir na unha. Acho que vou voltar lá mais tarde, só para experimentar. Uma dessas lojinhas de manicures, aliás, me deu mais uma demonstração da já notória discrição dos chineses: três mulheres estavam sentadas, desocupadas, conversando sobre a vida e rindo. Uma delas, então, me notou. Imediatamente, as três pararam de conversar e ficaram me observando como se eu fosse o elo perdido entre um ET e a celebridade mais famosa do mundo, e me seguiram com os olhos durante todo o meu trajeto em frente à loja delas.

Antes de voltar para casa, passamos em um McDonald's porque, admito, eu estava curiosa para saber o que servem em um McDonald's na China. De forma geral, os hambúrgueres pareceram bem semelhantes aos do Brasil, mas minha opinião também pode ser baseada no fato de que não leio chinês e os cartazes, obviamente, não estavam em inglês. De repente aquele símbolo que eu jurei que significava "Big Mac" na verdade quer dizer "carne de cachorro", mas pelo menos as fotos eram bem normais. A única coisa que me chamou a atenção, na verdade, foi o fato de que os combros incluem o hambúrguer, batata frita, refrigerante e uma porção de frango frito. É. Ao estilo KFC, para quem conhece. Chineses aparentemente gostam muito de frango frito.

A saga do nosso primeiro dia em Beijing termina de forma menos excitante do que muitos poderiam esperar. Devido à diferença de 11 horas no fuso e ao fato de que havíamos acordado às 6:30 da manhã, resolvemos deitar para tirar um cochilo de meia hora às 6 da tarde. Acordamos às 5 da manhã, prontos para o nosso segundo dia. 

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