Artur Dente acordou naquela manhã com uma dorzinha chata do lado esquerdo da cabeça. Depois de rolar de um lado para o outro da cama por um bom tempo, decidiu parar de fingir para si mesmo que ainda estava dormindo e se levantar. Jogou as pernas para fora da cama, na esperança de que elas fossem sozinhas resolver os problemas daquele dia e deixá-lo hibernar. Ao enfim convencer-se de que não teria sucesso, enfiou os pés nos chinelos felpudos, vestiu a primeira peça de roupa que encontrou pela frente - um roupão verde-musgo jogado sobre a cadeira ao lado da cama - e se arrastou para o banheiro.
Ao se olhar no espelho, confirmou suas suspeitas: estava um bagaço. O cabelo levemente arruivado parecia haver pensado ser uma boa idéia dar uma festa durante a noite e convidar todos os fios para dançarem na mesma pista de música eletrônica. Lavando o rosto, Artur Dente desconfiou que sua baba também tivesse sido convidada para a festa.
Após considerar a hipótese de tomar um banho, Artur Dente lembrou-se de que era domingo e, como é sabido em todas as galáxias conhecidas, domingo é o dia oficial em que nada acontece e, portanto, não havia razão alguma para tomar um banho. Enxugou o rosto na toalha mais próxima e saiu do banheiro.
A dorzinha chata do lado esquerdo da cabeça continuava. Era a última vez, pensou, que sairia com aquele ator maluco que só o arrastava para lugares cheios de bebidas com alto ou altíssimo teor alcoólico. Seu organismo não fora criado para aquilo, pensava. Tudo o que Artur Dente mais queria naquele momento era uma boa xícara de chá.
Remexendo a terceira gaveta debaixo da pia da cozinha em busca de uma aspirina, um remédio para ressaca ou um vidro de veneno de rato - o que encontrasse primeiro -, Artur Dente pôs a água do chá para ferver.
De dentro do quarto veio uma voz estridente e manhosa. Sem conseguir encontrar a maldita aspirina, Artur Dente praguejou enquanto fechava a gaveta e abria a geladeira. Apenas um pote velho de manteiga, uma caixa de leite e uma bandeja quase inteira de iogurte passado da validade que Artur Dente comprara em um daqueles momentos em que decidia mudar de vida e começar a ter hábitos saudáveis. Pegou a caixa de leite e fechou a geladeira.
"Aqui, Marvin. Seu café da manhã.", disse Artur Dente. De dentro do quarto veio novamente a voz estridente e manhosa. Em poucos segundos, Marvin, o gato, saía do quarto e cheirava seu pote cheio de leite, pensando há quantos dias aquela caixa estaria aberta.
A chaleira apitou no fogão, avisando que a água fervera. Artur Dente colocou um daqueles saquinhos dentro de uma xícara e serviu a água quente em cima. Agora só precisaria esperar alguns minutos enquanto fazia de conta que lia o jornal roubado do gramado do vizinho no dia anterior.
Antes que o chá pudesse ficar pronto, no entanto, a Terra foi destruída pelos Vogons para a construção de uma via espacial e Artur Dente não teve tempo de provar um dos 42 deliciosos sabores de chá que sua tia havia trazido de sua última viagem para a Inglaterra.